sábado, 4 de junho de 2011



ONDE MORA A POESIA

Nos olhos do poeta
Mora o tempo
Tempo de sonhar
Tempo de ser feliz

E o poeta sonha
De olhos abertos
Atento às palavras
Atento a si mesmo

Nas mãos do poeta
Mora a poesia
Derrama vida
Gota a gota
Verso a verso
Transborda lucidez

Amélia de Morais


DA BANDA PODRE
.
É tudo da banda podre,
água suja no odre,
no cacho, banana podre,
arma presa no coldre,
no cesto, laranja podre.
E tudo fingindo ser nobre!

Até que a folha desdobre!

Amélia de Morais
(o-som-de-um-beijo-na-flor-cristiane-campos)

NA DANÇA DAS FLORES
.
E danço a dança das flores
que se dobram ao sabor do vento,
espalho ternura e alento
no pólem dos meus amores.

No veludo da rosa me deito,
seu perfume me embriaga,
com suas cores me enfeito,
sua beleza me afaga.

Nas asas do girassol, eu giro,
das noites arranco desejos,
dos pássaros arranco suspiros,
dos homens arranco seus beijos.


Amélia de Morais


MEU NOME

Até que se prove o contrário
sou Maria, entre tantas
sou João, entre vários
sou anjo, deus e santa

Do contrário, meu caro
me chame pelo meu nome
próprio, comum e raro
sou sonho, tropeço e fome


Amélia de Morais



CANTO SERENO

Meu sol, minha luz
És tela, és esteio
És vento que acaricia
És meu passo no volteio

Meu verão eterno
Aberto, inteiro, pleno
É o calor do meu inverno
Na primavera, meu canto sereno


Amélia de Morais



PÉ DE VENTO

O dia quente
pede vento
O amor ausente
pede alento
A dor que sente
pede tento
A fome premente
pede alimento
Que tudo venha
num pé de vento.

Amélia de Morais


LA DUNCAN

Dança Isadora
sob panos, lençóis e ventos
sobre as nuvens brancas
suave algodão
rompendo a barra do dia

Amélia de Morais


CAMALEÃO

Não sou mais o mesmo
Camaleão

Não sou mais santo
Anjo de pandeiro na mão

Não sou mais belo
reflexo torcido no espelho

Não mais borboleta
Escaravelho

Não sou mais segredo
falo pelos cotovelos
Lambo todos os selos
Não sou mais silêncio
Correspondência

Amélia de Morais

sexta-feira, 3 de junho de 2011




DELÍRIO

E bailo no espelho d'água
qual Iara em noite de lua
sou sombra de corpo, nua
pisando no pé da mágoa

Pena frágil que flutua
sou gesto suave e leve
de viver solto e breve
dormindo no chão da rua

Viagem que me habitua


Amélia de Morais


LAMBENDO A SORTE

Andei por onde ando
chutando latas
completamente vazias
lambendo cartas
estudando cartomancia
Andei sobre meus passos
sobre o rastro da poesia
sentindo o cheiro bem longe
da felicidade que nos vigia
Andei chutando latas
completamente vazias

Amélia de Morais


UTOPIA

Vejo
não pego
sonho de fumaça
explode, depois passa

Quero
não sinto
pele fina cortada
sangra. E mais nada


Amélia de Morais
(Rono Figueredo)

ALQUIMIA

A fórmula única e secreta
que guardo bem dentro do peito
é a vida que se inquieta,
de mim tira proveito
e se inventa eternamente.
Semente.

Amélia de Morais



ETERNO APRENDIZ

Arriscando
soltar o verbo
risquei essas mal traçadas linhas,
paralelas,
inconstantes,
pequenas letras meninas.

Eternamente aprendiz
sigo pescando verdades,
engolindo mentiras,
vivendo e aprendendo.

E quando chegar ao fim,
porque o fim é um meio,
levarei a senha na alma,
riscada no verso de mim.

Amélia de Morais


BLOCO DA ALEGRIA

Os clarins já anunciam
que o bloco está na rua.
A verdade nua e crua
vestida e fantasiada.

A freira dança o frevo,
o padre rasga a batina
e colhe a flor do trevo
nas pernas de uma menina.

O riso é claro e aberto,
irreverência da alegria,
se o bloco tem um aperto,
troca-se a troça e a fantasia.

No sobe e desce da ladeira
é assim o carnaval inteiro,
às vezes é lavadeira,
às vezes é marinheiro.

Hora de recolher o bloco,
cada um pro seu lado.
A vida tem outro foco,
carnaval é feriado.


Amélia de Morais
(Ana Munoz)

REPOUSO

Leves asas
pousando
sobre meu chão

São doces brisas
soprando
silêncio de solidão

E silencio meu pranto
repouso meu coração


Amélia de Morais


ARMADILHAS

Não darei mais um único passo
agora não sei mais o que faço
não sei se fico ou me desfaço
arrisco um giro no compasso
não ponho meu pé descalço
em sapato sem cadarço
que não se pode dar laço
desisto e volto ao passado que fiz
no futuro tenho medo de ser feliz

Amélia de Morais


LAVANDO OS MALES

Perdida na tempestade
dessa tarde fria
encontro a flor do prazer
na chuva que cai
sobre meu corpo leve

Abro a boca pra beber
da doce água do céu
e danço os olhos
na cortina molhada
que lava os males
e os espanta


Amélia de Morais


CANTO DO POETA

Como canto de poeta
a Bandeira tremula
Sobre o mar de Pernambuco
como velas nas camas de Passárgada
Sobre os canais da Bélgica
como velas brancas na solidão das noites úmidas
Sobre a lagoa do Rio
como velas de saudades da Rua da União
Estrela da vida inteira guardada na palma da mão

Amélia de Morais

CANÇÃO FEMININA

Só quero teus braços
Pra me abraçarem no medo
Na tarde, na noite ou na manhã bem cedo

Só quero tua compreensão
Quando preciso de silêncio
No corpo, na alma ou no coração

Só quero teu sorriso
Quando sou toda dedicação
Pra saber pra onde vou e por onde piso

Só quero tua solidariedade
Quando sou pura fragilidade
Conto com teu respeito, carinho e lealdade

Amélia de Morais

.
(irving_amen)

FIM

Não nos resta nada
nada nos resta
nem a verdade manchada
nem as sobras tristes da festa
nem a mentira contada
nem o suspiro profundo que o fim atesta
Somos íntimos desconhecidos
fomos criação um do outro
Somos verbos convertidos
de costas um para o outro
Sem nada...Somos o fim
Eu de você...Você de mim

Amélia de Morais

.

SOZINHA

Aqui estou
sentada entre o mar e a rua
de costas pra mim
Aqui estou
virada para um vazio escuro
numa tristeza sem fim
Aqui estou
rachada exatamente no meio
como quem anda pra morte
como quem olha pra vida
Aqui estou
prensada entre o choro e o riso
como quem naquele exato instante
desiste de ser esquecida.

Amélia de Morais

.

TUA SOMBRA
.
Tua sombra me revela
saudade
Tua sombra me revela
realidade

Na claridade do dia
percebo a imensa distância
meses sem alegria
noites de vigilância

Amélia de Morais

.


O DONO DA VERDADE

Era a palavra
nua e crua
sem sobras ou sombras
frase curta
Era o preto no branco
irreversível e incontestável
sem prosa e sem pressa
fato.

Amélia de Morais

.

domingo, 29 de maio de 2011



TRANSFORMAÇÃO

Se me olhas
desfolha-me
desmancho-me
em pétalas
perfumando o ar
E, tu,
inebriado
cobre-me
com a maciez
de tuas mãos
Juntos
fazemo-nos
incenso e fumaça
sedução que abraça
enlaça e depois passa

Amélia de Morais



POR NÃO PODER SER O MAR

Já fui água da fonte,
água de lago e lagoa,
já fui água de açude,
água de poça e de poço
Já fui água de rio
correndo eternamente para o mar
Já fui água de choro
por não poder ser o próprio mar
Amélia de Morais


NO AR

Quem sou
quem serei
quem fui
somente
o tempo dirá
o tempo
e as palavras
que risquei no ar

Amélia de Morais




ANDANDO

Andei pensando na vida
Andei relendo e rasgando papéis
Andei visitando o passado
Andei revirando tonéis
Andei reescrevendo histórias
Andei esvaziando gavetas
Andei lmpando o armário
Andei arrancando tarjetas
Andei sobre medos e modos
Andei pisando firme e resoluta
Andei decidindo os caminhos
Andei... partindo pra luta

Amélia de Morais



BUSCO SOSSEGO

No chão duro
caminho
espinho, pedra e paixão
No escuro
revejo
praguejo, sorte e ilusão
Busco sossego
no aconchego
da cama, macio colchão

Amélia de Morais



ILUSÓRIO

Tudo vejo
nada seguro entre as mãos
tão perto e tão longe
Vejo as marcas dos pés
sobre a areia no caminho
não sei pra onde vão
mas seguem pra longe de mim
Tudo percebo
nada sinto na pele
Tão próximo e distante

Amélia de Morais



VESTIDA DE SOLIDÃO

Nasceu virada pra lua
andou sobre nuvens
vestida de linda nudez
Cresceu na pá virada
correu pelos campos
vestida apenas de vento
Viveu só por viver
rolou sob olhares
vestida de transparência
Partiu muito cedo
fugiu da tempestade
vestida de sua ausência

Amélia de Morais




DAS QUEDAS E PAIXÕES

Tantas vezes fui ao chão
tantas plantei poesia
tantas colhi palavras
tantas versei paixão

Amélia de Morais




SOB A LUA

Sentada
sob a lua
sob o céu
no meio da rua
Sentada
como um réu
esperei
em vão
a passagem do cometa
que me levaria do chão
para outro planeta
Esperei em vão

Amélia de morais


(pássaro contemplativo autor: José Carlos Rodrigues)

VOZ DA NATUREZA

A chuva canta
As ondas fazem coro
Mas o homem não ouve
O pássaro canta
O vento faz coro
Mas o homem não entende
O homem sente
Percebe o misterioso som da natureza
E com ele se encanta
Se enternece
Se alegra
Ou se entristece.

Amélia de Morais
.


SENSAÇÕES

Voei pelos pensamentos
vestida de lua cheia
iluminando o outro lado
da frase feita
Desfiz-me em sensações
tantas e únicas
Refiz os versos da madrugada
nascidos de tudo, criados do nada
Amélia de Morais



DES[ILUSÃO]

Vivemos uma ilusão
o chão que agora piso
é feito de algodão
e me pareceu tão seguro!
É tudo um sonho de alguém
que pode acordar de repente
e num estalar de dedos
meu corpo é de ninguém
Simplesmente fantasia
bordada com muito luxo
em tecido fino e transparente
que rasga a qualquer instante
Papel repleto de poesia
escrita em letras douradas
jogado na água de um rio
desmanchando nossa palavra

Amélia de Morais


INSANA DANÇA

Dançava sobre o vento
a alma nos pés
Os olhos do dia espiavam
a boca da noite sorria
Dançava sobre o sol
os gestos no coração
Os olhos dos homens zombavam
daquilo que não entendiam
Loucos homens esquecidos
de como é doce sonhar

Amélia de Morais



FIO DA POESIA

No silêncio da madrugada
guardado no escuro da noite,
perdido no claro do dia,
ecoa nas páginas do livro
a canção livre e vadia
das belas letras bordadas
com o forte fio da poesia

Amélia de Morais



RAIO DE LUZ

Por amar
tanto e desmedidamente
entreguei
de mão beijada
meus versos
- poesia de vida -
ao raio de luz fulgente
nascido do meu ventre.

Amélia de Morais



NAS DOBRAS DO PENSAMENTO

Olhei assim
de soslaio
um pouco
pra dentro de mim
e vi a dor
entre as dobras
do meu pensamento
escondida
no desmaio
fingido e medroso
dos meus sentimentos

Amélia de Morais



PRATA DA CASA

A prata da casa
brilha suavemente
sem palavras de casaca
brilha humildemente
Discorre com sutileza
Descreve com alguma beleza
e, às vezes, com certa dureza
É o exercício da paixão
do verbo pela ilusão

Amélia de Morais



VERSO VERDADEIRO

Ainda que implacável
e verdadeiro
queria encontrar
entre os dedos
a poesia triste
que traduzisse minha alma
nos versos rudes
que metem medo.

Amélia de Morais



INSPIRAÇÃO II

No silêncio da palavra
nasceu minha poesia
Naquele breve instante
entre ouvir e calar
E a mão, atenta
escreveu o verso

Amélia de Morais



CANÇÃO AFINADA

Me vale a voz afinada
nos momentos de puro amor
Derramo então os meus versos
entoados em melodias
Declamo, clamo, amo
na voz muda do olhar
toda a paixão do momento
que dura um tempo qualquer
o tempo exato
entre o primeiro e o último acorde
até que o sonho me acorde

Amélia de Morais



PRAZO DE VENCIMENTO

Venci os muros
que me escondiam,
os moinhos
que me espalhavam,
o silêncio
que me queimava.
Venci a distância
que me afastava,
a tempestade
que me impedia,
a certeza
que me corrompia.
Venci o medo
que me interrompia,
a saudade
que me amolava,
as cordas
que me amarravam.
Sou eu os olhos meus
Sem prazo de vencimento.

Amélia de Morais




A SOLIDÃO

A solidão
me dá a fantasia
me dá a canção
(ainda que triste)
me dá a poesia
(que pequena, resiste)
me completa
me joga na escuridão
ao mesmo tempo
que me faz poeta

Amélia de Morais




ATIRANDO PEDRAS NO RIO

Sem hora pra nada
sem medo do tempo
sem rugas ou rusgas
sem musgos
pedra limpa
atirada na água
saltitando na superfície
brilhante e lisa
Minha mão
atira a pedra
e acena em adeus
sem esperas
sem esperanças
mudanças acontecem
um passo
outro espaço
Sem hora pra nada

Amélia de Morais