quarta-feira, 11 de maio de 2011

(Poema manuscrito e aquarelado por Manuel Bandeira: faceta menos conhecida do poeta pernambucano)


BANDEIRADA

Quero a loucura dos teus versos
dos tantos poemas teus

Quero abrir os teus livros
devagar ou avidamente

Quero re[conhecer] teu universo
no abrir dos olhos meus

Quero da tua poesia-loucura, o trigo
para a massa da minha poesia-semente


Amélia de Morais


INCRÍVEL

Já fui inesquecível,
inconfudível até
e impossível de não se ver

Já fui infalível,
imperecível também
e impossível de envelhecer

Hoje sou ilegível,
irreconhecível mesmo,
e invisível, por que não dizer?


Amélia de Morais


TROCA

Troquei as vestes
troquei os versos
não sou mais verde
amadureci
amarelei com o sol
rodei sobre o girassol
troquei o rol
rolei as dívidas
rolei as dúvidas
duvidas?
Troquei de amor.

Amélia de Morais


MOMENTO

A noite passa
escuro
no meu pensamento
por um só momento
sou estrela

Amélia de Morais




CARA METADE

Amor que inventa
faz brotar realidade
onde planta apenas sonhos

Do pé de invenções
nasceu minha cara-metade


Amélia de Morais



PRA ONDE A POESIA ME LEVA

Poesia me estende a mão
me leva pra longe de tudo
me traz pra dentro de mim
poesia é meu arrastão

Amélia de Morais




ANDO COM A POESIA

Ando pelo poema alheio
passeando entre os versos
assobiando feliz
por andar onde sempre quis

Ando me inspirando
nas pirações dos loucos poetas
que estendem suas redes
nas redes da internet

Ando chorando e rindo
entregue ao poder da poesia
sem pensar que amanhã...
bom, amanhã é um outro dia!


Amélia de Morais


VAGA LEMBRANÇA

Vaga lembrança
das festas no escuro
daquelas andanças
por sobre os muros
espiando a vizinhança
os olhos tapando os furos
o cabelo em trança
então não havia futuro,
nem passado, nem mudanças
ali era porto seguro,
os jogos, os amigos,
a vida mansa...

Vontade de voltar a ser criança!


Amélia de Morais


BREVE CHAMA

Somos um desconhecido caminho,
a música que nunca tocou,
o eterno sonho que nunca lembramos.
E no breve instante que é a vida,
quão breve é a nossa chama,
mas, tão intensa e profunda
que nosso passado é tudo que nos resta.

Um vento que passou tão depressa!


Amélia de Morais



BEIJA-FLOR TRAVESSO

Não sofras, meu amor
sorrindo te peço
eu vou, mas não demora
logo estou de regresso

Sou teu beija-flor travesso
passeio pelo jardim
mas é em ti que adormeço


Amélia de Morais


PARODIANDO CECÍLIA

Eu minto
porque a ilusão existe
e a minha vida está repleta
de sonho, que insiste, persiste...
afinal, sou poeta.

Amélia de Morais



SÓ E PLENO

Sol a pino
só e pleno
canta, a plenos pulmões,
o fogo que à terra encanta,
derrama por todo o sertão,
sem intervalo, nem descanso,
a seca, como uma manta
de brilho e dor tão imensos.

Amélia de Morais



POR ONDE ANDO

Eu ando
desde menina
por dentro
de mim mesma

Conheço bem
minha sombra
e cada movimento seu

Com ela
andei por aí
catando pedras
ao sol
pra construir um abrigo
onde
me deite
e descanse
um pouco
do mundo lá fora
um tanto
de mim e da sombra

Amélia de Morais

.


NIRVANA

Desprendi-me
alma, corpo e mente
sou nuvens ao mar
leve e calmamente
sem rosto, nem forma
sou brisa gentil
de sopro lento, aragem morna
sou parte do universo
disperso
sou afinal cada palavra do verso
e no fim do dia
poesia

Amélia de Morais

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SILÊNCIO SEGUINTE

Meu coração anda vago,
não por falta de vontade,
mas por falta de amor.

Onde estará o inquilino
que meu corpo ainda reclama
senão no coração de outra dona?

E pra mim mesma repito:
Onde?...Onde?

E no silêncio seguinte
meu coração não responde


Amélia de Morais

.


TROVINHAS JUVENIS

Eu vi
ninguém me contou
vi uma estrela brilhar
nos olhos do meu amor
****
Num dia triste de chuva
eu sei onde o sol se escondeu
atrás de um sorriso esperado
que meu amor não me deu
****
Soprou-me de leve no ouvido
o vento, que é meu amigo
que o meu amor só deseja
casar-se tão logo comigo


Amélia de Morais

.


MEU EU E MINHA SOMBRA

Perdi-me entre o fui e o serei
nada sou em definitivo
sou sombra diversas ao sol
na noite sou eu e a lua
verbo e adjetivo
sou a verdade nua e crua
das tantas mentiras que já contei

Amélia de Morais

.

terça-feira, 10 de maio de 2011



SILÊNCIO DE APRENDIZ

Falo pouco
escrevo um pouco mais
meu lápis é rouco
minha voz repousa demais

passei a vida ouvindo
em silêncio de aprendiz
para expressar no meu canto
que a minha força motriz
vem das palavras de encanto
de Bandeira, Meireles, Moraes, Assis
Drummond, Amado, Quintana e outros tantos, tantos...


Amélia de Morais

.

PEDIDO

Espero,
com os olhos
sempre na estrada,
que um dia você volte.

Passa o sol,
passa a lua,
passa a chuva
e a ventania.

Mas, por favor, não demora
que um dia a vida passa
e a tristeza me leva embora.


Amélia de Morais




UM NOVO DIA

O dia nasceu brilhante
promessa de sol e lua
fazendo brotar no homem
o eu feliz e migrante
a alma serena e nua
as saudades que nele dormem
e as vontades emergentes
da busca eterna e infinda
pela vida-estrela cadente
diferente e surpreendente
que pulsa dentro da gente

Amélia de Morais

.


AURORA

Vamos brincar de roda?
eu giro pro lado de dentro
você, pro lado de fora
canta e gira a vida toda
a gente se encontra no centro
você, senhor, eu, senhora
e assim senta e se acomoda
e bem ali, no epicentro
assiste a nossa aurora
enquanto a chuva não chora

Amélia de Morais



RODAS

A vida é roda gigante
e vive num vai e volta
eu, então, vivo livre, solta
num indo e vindo constante

Eu vou catando a minha sorte
e volto contando a minha história
não falo, nem penso na morte
que é outra roda, a da memória

Morro um pouco sempre que esqueço.


Amélia de Morais




OS VERSOS

Os versos
são nômades, ciganos,
visitam almas inquietas,
plantando-lhes verbos soberanos,
palavras secretas.
Apresentam-lhe o oceano,
a lua, o céu, a vida toda, completa
os versos são estafetas,
os versos são arcanos
que nos revelam poetas

Amélia de Morais

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segunda-feira, 9 de maio de 2011



BANDEIRA, MINHA BANDEIRA

Bandeira branca,
me entrego aos versos teus.
Minha alma é aberta e franca.

Receba os carinhos meus,
na forma desta canção
nascida do coração.

És meu emblema,
estrela tatuada no peito,
brilhante como um poema.

Teus livros na mãos estreito,
presentes na vida inteira.
És minha estação primeira.

Se o silêncio dorme contigo, Bandeira
tua poesia é faladeira.


Amélia de Morais


O PREÇO DA ESCOLHA

Pago caro por ser artista
não tenho férias, nem salário,
não tenho emprego, sou diarista.

Pago o preço da passagem,
o preço do ensaio, eu pago,
pago o preço da sabotagem
da arte que faço e propago.

Não escolhi a facilidade
do verso que nada diz,
não escolhi a fraglidade
do sucesso riscado a giz.

Sou dança de passo forte
e canto com voz de povo,
cultura de um Brasil de norte.
Sem mágoas, faria tudo de novo.

Pago caro por ser artista,
mas trago a realização nas mãos
e um sonho sempre à vista.


Amélia de Morais


NO ÚLTIMO INSTANTE

No alto
os olhos no chão
o medo nos pés

a coragem me toma de assalto
sinto calor nas mãos
um rápido olhar de viés

No último instante...
Eu salto


Amélia de Morais


FIM DOS SONHOS

É ponto final
não mais reticências
não mais vírgulas
e entretantos
o sonho acabou
É passado aquela canção
que fala das cores
e da esperança
O presente é mudança
de planos e de endereço

Fecho o livro e esqueço


Amélia de Morais

CONSTATAÇÃO

Tu és
o meu
pensamento
eu sou
camafeu
e alento
que guardas
para os dias
cinzentos

Amélia de Morais


PROPOSTA

Antes que o dia acabe
e que outro dia comece

Antes que a lua se deite
e o sol renasça em prece

Antes que finde a primavera
e o verão aqueça a estação

Antes que as flores se curvem
e se cante uma nova canção

Lanço no ar mais um sonho
no verso que ora componho

Deixo aqui um poema
e muitos outros proponho


Amélia de Morais


MARÉS

E o mar me invade
me lambe, preenche
Maré alta - paixão
Maré baixa - saudade

Segredos de areia
nas noites de lua
Na terra, sou ilha
na água, sereia
no ar, maresia

Arrebentação e calmaria


Amélia de Morais



LÁ SE VAI SETEMBRO

Setembro já se vai
arrastado por agosto
levando a chuva e o vento
e o sol agora é rei posto

Outubro traz novamente a confiança
outros desejos e venturas
e aquela esperança infinda:
depois da tempestade, a bonança


Amélia de Morais




ABANDONO II

Deito-te, então
entre os meus braços
antes que a noite chegue
e com ela, a solidão.

Deixo-te, então
entre os lençóis
antes que o dia chegue
e com ele, o perdão


Amélia de Morais


REI MORTO...REI POSTO

Cai o rei
sobre o tabuleiro.
Nu.

Sobra o rei
entre tantas cartas.
Vil.

Dança o rei
no maracatu.
Mal.

Paga o rei
o seu caro trono.
Réu.

Parte o rei
da cocada preta,
Só.


Amélia de Morais


TEMOR DECLARADO

O mar não tem cabelos
pra eu agarrar,
não tem mãos
pra me amparar,
só tem colo
pra eu dormir
o sono da eternidade

Prefiro-o como paisagem,
como quadro na janela,
como música pra sonhar.

Deixe-me apenas
versar suas cores,
seu incansável movimento,
sua beleza infinita.

Assim somos
vizinhos e amigos,
eu e o mar.


Amélia de Morais



SALIÊNCIA

Saliente,
ela apareceu na noite
despudoradamente nua
ela brilhou sobre o mar
esplendorosamente lua

Amélia de Morais



VESTIR-SE DE POESIA

Vestido assim,
da cabeça aos pés,
acontece pouco.
Às vezes sou mouco
às vozes da poesia,
às vezes não há vejo
e nem sempre a sinto
então, eu minto.

Já vesti as luvas da poesia
e ela brotava das mãos
Já coloquei o chapéu dos versos
eles queimavam meu juízo
Já calcei os sapatos da rima
nasceram poemas andarilhos

Me visto de poesia
mas é roupa curta
de chita estampada de rimas pobres
vestido de baile
é raro ingresso das noites de festa
Quase sempre estou nu
espiando as palavras pela fresta


Amélia de Morais



QUEM SABE,...QUEM?

Tantos tesouros
tantos outros
tantos, tantos...
Tantas escolhas
tantas outras
tantas, tantas...
Tantos dias
tantos tão frios
tantos tão secos
Tudo tão rápido
tão discreto
até secreto
Tudo tão guardado
debaixo de sete chaves
Tantos tesouros
tantos, tantos, tantos outros
outros planos
outros gestos
outra sorte
Quem sabe,...quem?


Amélia de Morais


NAVEGAR É PRECISO

É preciso sonhar
viajar entre os mares
é preciso

É preciso fantasia
descobrir os lugares
é preciso

É preciso inventar
invadir os limiares
é preciso

É preciso ousadia
sacudir os pilares
é preciso

É preciso renovar
lavar nossos olhares
é preciso

É preciso poesia
recriar os linguajares
é preciso

É preciso navegar
conhecer novos ares´
é preciso


Amélia de Morais



FELICIDADE

De tanto ouvir a canção
e tanto cantá-la em voz alta

De tanto velar o seu sono
e tanto dormir nos seus braços

De tanto contar os meus sonhos
e tanto dividir seus segredos

De tanto sorrir do seu riso
e tanto chorar de sorrir

Me imaginava sendo
aquilo que apenas estava


Amélia de Morais


BOA NOITE

Boa noite, poesia
aqui vou me largar
aqui vou me espalhar
aqui farei moradia

Boa noite, rebento
agora vou começar
agora vou versejar
agora é o momento

A tudo estrei atento


Amélia de Morais

PORTO

meu leito é macio
meu colo, quente
meu corpo, repouso leve
para sua queda livre

minha voz é canto certo
minhas mãos, porto seguro
meu gesto é de afago
para a solidão dos passos seus


Amélia de Morais



BANDEIRA BRANCA

Cansei de lutar
contra a tempestade,
agora quero beber
da chuva forte que cai

Quero lavar meus olhos
e ver a beleza dos raios,
dançar sobre as águas
ao som grave dos trovões

Me entrego, bêbada, à bonança
nos intervalos do silêncio


Amélia de Morais



ESPELHO, ESPELHO MEU

Tão bela a face oculta
se mostra apenas na escuridão,
diante de mim, um espelho
e no espelho, a ilusão.

Serei tão bela assim?
São meus os olhos meus?

A verdade tão longe de mim.


Amélia de Morais